Sobre Tropa de Elite

(esse post é um email escrito antes na lista da Contracampo, por isso algumas citações sem sentido)

A verdade é que saí do Espaço ainda meio baqueado, juntando as informações e vendo se mudava minha cotação do filme, cheguei em casa bastante confuso, mas não rolou…continua a bola preta e o moralmente condenável mesmo.

concordo com as afirmações de que o que o filme mostra é que o preço para se virar um soldado do Bope é altíssimo – fim de vida pessoal, desumanização, falta de outras perspectivas de vida – mas são todos preços PESSOAIS. Virar um soldado do Bope é, no fundo, um sacrifício da própria vida para servir à sociedade. Afinal, não se vira soldado do Bope pelo mérito do reconhecimento, para se sentir melhor ou mesmo pelo cheiro de sangue. O que o personagem do Wagner Moura quer é encontrar um sucessor, porque acredita que aquela função é necessária. Não à toa, os soldados corruptos ficam na PM, e, se vão entrar no concurso para o BOPE, são escrotizados até não poder mais. Estamos do lado dos honestos e bem-intencionados, sempre (ainda que esses mocinhos, concordo, estejam longe de ser heróis).

me incomoda muito que o José Padilha fique cheio de raiva de PM e de burguezinho da Zona Sul (porque, afinal, sempre que a câmera aponta para cada uma dessas duas instâncias é num tom jocoso e muitas vezes babaca mesmo), mas nunca leve em consideração – realmente – o que significa matar não um inocente, mas mesmo um bandido. Como exemplo, a cena em que o Wagner Moura dá a ordem para o policial acertar o PM que trafica e o bandido que vende, para matar “dois coelhos em uma cajadada só”. Ou o fato do Neto matar 30 pessoas na favela para conseguir a segurança do Papa – coisa que o filme mostra em 30 segundos – e rolar toda uma construção dramática para sua morte, que no fundo deveria ser mais uma, como todas aquelas outras.

Concordo, em parte, com a afirmação de que é um filme documental. Existe, sim, lá uma função de mostrar o que ainda não foi colocado em pauta no Cidade de Deus (e em suas continuações): o lado dos policiais, a importância dos usuários na cadeia, a existência das ONGs. Os morros são reais, a estrutura é direta, existe a urgência de falar, sim, de algo que está acontecendo, da forma como está acontecendo. Mas, para o filme, a PM só faz merda, as ONGs não conseguem nem comprar os óculos do menino que tem problema de visão, e os jovens que participam dela são filhinhos de papai que pensam em cheirar e transar na “hora do trabalho”, (exceção para a Fernanda Machado, uma personagem bem-intencionada, mas ingênua), e o Bope, bem, o Bope resolve.

Agora, é óbvio que também que é um filme de ficção, e se o José Padilha não tem noção do que significa isso (de acordo com sua entrevista na França, onde dizia que só não fez uma obra documental porque seria morto), o filme tem. Existe lá uma construção dramática forte, e ela só atende a poucos personagens (mais especificamente, ao Wagner Moura e aos três tenentes, incluindo o corrupto). O resto serve como fantoche para o que o filme precisa passar. Eu discordo com a afirmação do Bernardo de que a voz em off é de um psicopata porque isso, sim, é colocar um julgamento de valor que o filme, em si, não coloca. É de um cara que mata, e que acredita que matar, sem piedade, faça parte do trabalho dele. E que acredita no trabalho dele. A única hora realmente em que ele assume a culpa de ter feito algo errado é na parte final do filme, quando sobe o morro e tortura inocentes (ainda que a única cena forte de tortura que mostra é quando ele acerta o culpado). Se esse é seu único erro, significa que o resto é de acertos, e o filme não faz NADA para que essa hipótese seja desmentida. Quando digo que é um Nascido Para Matar ao contrário, é porque, dessa vez, o ponto-de-vista está no tenente, e me parece que Tropa de Elite não sabe bem o que significa fazer isso.

Afinal, se ele coloca a culpa do tráfico no usuário – o que faz sentido, ainda que de forma muito simplista -, no Estado e na PM corrupta – o que faz sentido, ainda que no filme apareça também de forma simplista -, o Bope é que não está errado. E, assim, o filme, que, sim tem a proposta de discutir tudo isso de forma SÉRIA, acaba acavalando afirmações muito simplistas e complicadas.

E o pior é que o Padilha é um bom diretor de ficção. Seu filme é forte, envolvente, não fica cheio de floreios e não subestima a inteligência de espectador nenhum (as duas últimas afirmações, naturalmente, não servem para Cidade de Deus). Ele conta com um puta elenco bem trabalhado (em especial o Wagner Moura, que é realmente um grande ator) e consegue, sim, alcançar uma ambiguidade bastante delicada uma série de vezes. O problema é que ele fez um estudo humano – um caminho de aprendizagem, segundo o Ruy -, “comprovou” a afirmação da cartela inicial, mas de forma muito superficial percorreu o “meio” no qual o personagem é moldado.

E por isso tudo minha bola preta é mantida. Mas aceito afirmações contrárias, se ninguém achar que a conversa no Espaço (obs: essa conversa está relatada, de dois pontos-de-vista bizarramente diferentes, no blog da Zé Pereira do Festival, que não darei o link, e no diário dos editores da Contra) já deveria ter servido como contra-argumentação disso tudo.

2 Respostas to “Sobre Tropa de Elite”

  1. Tropa de elite « In a glass house Says:

    […] mas está errado em querer que o filme tem a mesma lógica de Pickpocket… Ou quando o Léo simplesmente quer por quer que, uma vez o Capitão Nascimento sendo o protagonista e narrador em […]

  2. jgabrielpaixao Says:

    ué, eu não fiz esse comentário não!

    será que foi o wordpress? hehe

    é sério!

    abração

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